O incrível dólar do Zimbábue


14.set.2015
Para aliviar um pouco as dores financeiras dos viajantes brasileiros causadas pelo maldito dólar americano (mesmo que o alívio seja apenas uma piada infame deste blog e que nada mude na prática), fui atrás das 25 moedas chamadas “dólar” no mundo e pesquisei qual delas é a mais desvalorizada frente ao nosso baleado realzinho.
Encontrei uma que eu pensava que nem existisse mais, mas descobri que ela está oficialmente viva, ainda que quase abotoando o paletó: o dólar zimbabuano, a moeda mais podre do mundo atualmente.
Dólar zimbabuano, por Shutterstock
Dólar zimbabuano, por Shutterstock
Esta pobre desgraçada nasceu em 1980, junto com o reconhecimento internacional do próprioZimbábue como um país.
Na época, ela valia exatamente o mesmo que sua antecessora (o dólar rodesiano) e até mais do que o dólar americano. Mas, apesar de ter passado bem pelos anos 80, a sua força inicial não durou muito e a morte lenta começou logo nos anos 90.
Arte: Alvaro1984 18 (domínio público)
Naquela década, por conta de uma montanha de atitudes do ditador do país, a economia do Zimbábue foi encolhendo sem parar, enquanto a inflação subia no mesmo ritmo, derretendo o pobre dólar local.
Então os anos 2000 chegaram trazendo junto algo que o Brasil conhece bem: o corte de zeros na moeda.
E põe zeros nisso.
Com uma hiperinflação mais descontrolada que zaga de Seleção Brasileira em jogo contra a Alemanha, o dólar zimbabuano foi castrado de um total de 25 zeros praticamente em sequência (se não me perdi nas contas), em 2006, 2008 e 2009.
Para você ter uma ideia, na época antes do último corte, a maior nota dele tinha o valor de 100 trilhões, o equivalente a pouco mais de 30 centavos de dólar americano, insuficiente para comprar um pão numa padaria de Harare, a capital do país.
Foto: bradleypjohnson (CC BY 2.0)
Foto: bradleypjohnson (CC BY 2.0)
"É mais barato imprimir isso em dinheiro do que em papel" (Foto: Adrian Pym - CC BY-NC-ND 2.0)
“É mais barato imprimir isso em dinheiro do que em papel” (Foto: Adrian Pym – CC BY-NC-ND 2.0)
Foi a gota d’água.
No mesmo ano, o governo simplesmente parou de imprimir novos dólares zimbabuanos e liberou a população para usar qualquer moeda estrangeira que quisesse. Hoje, você pode usar legalmente por lá o yuan chinês, as rúpias indianas, os ienes japoneses, os dólares australiano e americano, os rands sul-africanos, as pulas de Botsuana, a libra esterlina e o euro. Tudo depende da vontade do vendedor, do restaurante, do hotel etc.
Claro, você também pode receber troco em todas essas moedas, certamente causando uma confusão dos demônios na sua carteira.
Dinheirama zimbabuana, por Shutterstock
Dinheirama zimbabuana, por Shutterstock
Mas e o dólar zimbabuano? Ele ainda vale?
Sim, oficialmente, ele ainda vale – apesar de ninguém mais usar suas notas moribundas na prática.
Porém, como eu disse lá no início, seus dias estão contados: em 30 de setembro próximo, ele vai deixar legalmente de existir.
O processo de fechamento oficial do caixão do dólar zimbabuano começou em junho deste ano. Desde lá contas bancárias vêm sendo convertidas na base de ZWD 35.000.000.000.000.000 (isso é 35 quatrilhões) por 1 dólar americano, e notas vêm sendo trocadas num câmbio de 250.000.000.000.000 (250 trilhões) por 1 dólar americano.
Dólar X dólar, por Shutterstock
Dólar X dólar, por Shutterstock
Ou seja: um real brasileiro vale, hoje, mais ou menos 62,5 trilhões de dólares zimbabuanos, se for trocado por notas.
Não dá para comprar nada por lá, é claro. Mas, ah, se fosse o dólar americano!
Foto: maskedcard (CC BY-NC-ND 2.0)
Foto: maskedcard (CC BY-NC-ND 2.0)
Para finalizar, uma curiosidade.
Durante todos estes anos turbulentíssimos na economia zimbabuana, a imagem de face de todas as notas sempre mostrou o mesmo desenho: uma pilha de rochas equilibradas.
1983
1983 (Domínio público)
1995
1995 (Domínio público)
2003
2003 (Domínio público)
2008
2008 (Domínio público)
2009
2009 (Domínio público)
Esta pilha é chamada de Chiremba, fica a poucos quilômetros da capital e é o símbolo do Banco Central local, por representar o equilíbrio frágil entre o desenvolvimento do país e o meio-ambiente.
Como disse Paul Murray, autor do guia Bradt do Zimbábue: o dólar zimbabuano já desmoronou, mas a pilha Chiremba ainda está lá, de pé, bem equilibrada.

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